Os Estados Unidos não admitem que espionaram Assange

Departamento de Justiça está tentando driblar autoridades espanholas responsáveis por julgar o caso de espionagem na embaixada do Equador

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Julian Assange passou a última década se escondendo das maiores potências do mundo por sua profissão, ser jornalista e incomodar grandes impérios, empresas e indivíduos. Parte dessa década, sete anos, foram gastos em refúgio na Embaixada do Equador de Londres, onde o australiano ocupou um pequeno quarto como refugiado político, por medo de ser preso pela Polícia Metropolitana de Londres.

Agora, uma nova investigação revela que o Departamento de Justiça dos Estados Unidos não respondeu a vários pedidos de ajuda das autoridades espanholas em uma investigação sobre uma empresa de segurança local suspeita de ser usada pela CIA para conduzir vigilância agressiva — e potencialmente ilegal — de Julian Assange.

Juízes espanhóis enviaram três pedidos de informação ao Departamento de Justiça desde junho do ano passado, em busca de informações sobre a propriedade de endereços IP que se julga serem dos Estados Unidos. Os endereços teriam acesso a arquivos que documentam as atividades do jornalista enquanto ele estava como refugiado na Embaixada.

Existe um tratado de assistência jurídica mútua entre os Estados Unidos e a Espanha, que serve para a troca de informações e cooperação legal entre países que investigam um suspeito estrangeiro — e essa assistência normalmente só é negada por uma das partes por razões políticas ou quando o crime investigado em questão não é igualmente punível em ambos os países. Em entrevista ao site YahooNews, um dos juízes afirmou que nenhum dos pedidos obteve resposta. Em vez disso, advogados representando o Departamento de Justiça solicitaram às autoridades espanholas mais informações sobre o inquérito antes de tomarem qualquer medida.

Os advogados de Assange alegam que a principal peça do quebra-cabeça é saber se funcionários da inteligência dos Estados Unidos providenciaram para que a UC Global, empresa espanhola de segurança, violasse leis de privacidade e suborno da Espanha instalando câmeras e microfones escondidos na Embaixada, incluindo em um banheiro feminino onde o jornalista costumava fazer reuniões com colegas. Documentos do tribunal mostram que essa ação permitiu que a empresa registrasse secretamente ou espionasse conversas que o australiano teve com seus advogados, médicos, consultores, colegas e outros — incluindo um parlamentar do Congresso dos Estados Unidos.

Um dos juízes do caso, Santiago Pedraz, aponta que o papel potencial da inteligência norte-americana é uma teoria principal que o tribunal busca investigar.

Queremos saber o que foi feito com esse material.

Santiago Pedraz

Os eventos na Embaixada permanecem obscuros e a chave para desvendar essas evidências podem estar no resultado da investigação espanhola. O procedimento começou dois anos atrás, em abril, após Assange ser expulso da Embaixada pela nova liderança conservadora do país. Ele foi preso imediatamente pela polícia britânica sob o argumento de que o jornalista teria faltado a uma audiência de fiança anos atrás. Em seguida, foi acusado dezoito vezes de infringir a Lei de Espionagem dos Estados Unidos, uma legislação criada no início do século vinte para viabilizar a perseguição de supostos espiões estrangeiros — o que, na realidade, se tornou uma arma centenária para a perseguição de opositores políticos, denunciantes, imigrantes e jornalistas.

Três ex-funcionários da empresa testemunharam a polícia espanhola que foram orientados pelo proprietário da corporação, David Morales, para gravar secretamente conversas de Assange instalando microfones ocultos em extintores de incêndio na Embaixada. Eles também afirmaram haverem baixado dados dos celulares de todos os visitantes e roubado cópias das anotações do jornalista.

A polícia espanhola prendeu Morales em setembro de 2019 e fez buscas em sua casa e escritórios, apreendendo computadores, servidores, telefones celulares e outros materiais. Ele foi libertado sob fiança. Assange teve sua liberação sob fiança negada pela juíza de primeira instância que bloqueou sua extradição em janeiro deste ano, sob a razão que o jornalista apresentaria risco de fuga enquanto deveria esperar o resultado do recurso da promotoria contra a decisão.

Outra testemunha também afirmou em seu depoimento que Morales discutiu com funcionários um plano para destrancar as portas do local para facilitar um “sequestro” de Assange ou “mesmo a possibilidade de envenenar o Sr. Assange”, segundo documentos internos do tribunal. Todas essas propostas estavam sendo, ao que tudo indica, avaliadas entre Morales e indivíduos representando os Estados Unidos.

O co-fundador do Wikileaks, Julian Assange, abre as cortinas quando começa a falar de uma varanda na Embaixada do Equador em 20 de dezembro de 2012, em Londres. Fotografia por Peter Macdiarmid, para Getty Images.

Em particular, o magistrado pediu aos promotores do Departamento que fornecessem informações sobre a propriedade e dados de geolocalização em cinco endereços IP que supostamente acessaram o servidor da empresa por três dias em janeiro de 2018.

“Tivemos a chance de revisar e compreender a seriedade das alegações nesta investigação muito interessante de espionagem e suborno”, escreveu uma advogada do Departamento de Justiça, Sandra Barbulescu, em julho do ano passado.

Ano passado, José de la Mata Amaya, juiz original encarregado do caso, enviou o primeiro pedido de assistência ao Escritório de Assuntos Internacionais do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, afirmando que as investigações da polícia espanhola mostraram a “probabilidade séria da existência de crimes que poderiam constituir um crime contra a privacidade e contra a confidencialidade entre cliente e advogado”, citando trechos do código penal espanhol. Em resposta, a advogada representando os Estados Unidos disse que para fornecer as informações solicitadas, o Departamento de Justiça precisaria entrar com pedidos nos tribunais norte-americanos, exigindo que autoridades espanholas respondessem à uma série de perguntas – como qual é a razão para a Justiça espanhola suspeitar de Morales.

Os espanhóis também enviaram um pedido oficial ao governo britânico pedindo uma declaração em vídeo de Assange. A declaração foi feita pela polícia espanhola, mas as autoridades britânicas o fizeram pedidos bloqueados de longe para obter declarações dos advogados do jornalista, cujas reuniões com seu cliente foram supostamente gravadas.

Ao longo do ano e meio seguinte, autoridades espanholas concordaram em responder duas perguntas do Departamento de Justiça, expondo algumas das evidências obtidas de testemunhas e outros documentos. Segundo o juiz que supervisiona o caso atualmente, as autoridades espanholas ainda não tiveram resposta.

Mesmo se o Departamento de Justiça finalmente responder, não se sabe se as informações seriam relevantes o suficiente para auxiliar no caso.

Assange está atualmente preso na prisão de Belmarsh, considerada a Guantánamo britânica por suas péssimas condições e por abrigar indivíduos acusados de terrorismo, aguardando o julgamento de um recurso dos Estados Unidos. Em janeiro deste ano, uma juíza de primeira instância negou a extradição do jornalista com base na saúde mental do jornalista, a partir do depoimento de um psiquiatra que o acompanhou por alguns meses na prisão. Além disso, a magistrada considerou, em sua decisão, que as condições das prisões norte-americanas degradariam a saúde mental de Assange por ‘condições opressivas’.

Os Estados Unidos apelaram a decisão, e o processo durou o ano completo. Assange continuou preso durante as audiências de apelação porque, segundo a juíza de primeira instância, ele apresentaria um ‘alto risco de fuga’ caso aguardasse o julgamento do recurso em liberdade. Durante a audiência, em outubro, advogados de defesa do jornalista relembraram não só as condições opressivas das prisões norte-americanas, mas que uma nova investigação jornalística revelou que a maior agência de inteligência dos Estados Unidos planejou sequestrar e até assassinar Assange, com conhecimento e até apoio do ex-presidente, Donald Trump. Caso o Supremo Tribunal britânico recuse o recurso dos Estados Unidos, é possível que, pela primeira vez em quase uma década, Assange poderá ser livre. Segundo indivíduos que trabalham no tribunal, a decisão está prevista para ser divulgada ainda em dezembro deste ano.



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